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Monday, January 3, 2011

Acordou mais uma vez assustado com aquele maldito barulho do despertador, era uma espécie de tango digitalizado, monofônico, algo profundamente irritante. Desligou-o com um cansaço e uma raiva que já se acostumava, faziam semanas que o sono já não adiantava e ele acordava mais cansado do que quando fora dormir. Mas a responsabilidade o chamava, iria novamente sentar a frente de um computador, na mesma mesa, ao lado das mesmas pessoas, com aquele mesmo tipo de roupa desconfortável e um stress tão habitual que ganhou a condição de natural. “Eu é que tenho que me controlar, esse é o meu trabalho, ele não muda, quem tem que mudar sou eu”, falava em frente ao espelho do banheiro, depois de se certificar que não havia mais ninguém ali (principalmente seus superiores). Era tanta coisa que tinha que engolir que as vezes parecia que não era ele mesmo que trabalhava, era um outro alguém, uma mascara talvez, uma personagem, algo que definitivamente não era ele mesmo. Embora estivesse pensando nisso há algum tempo, só agora passou a incomodar, e muito.

Era melhor esquecer, era sexta feira, talvez com o descanso do fim de semana tudo voltasse ao normal. Foi para casa sem aceitar a cervejinha com os amigos, típica entre eles na sexta-feira. Não sabia porque tinha rejeitado, não era casado, não devia satisfação a ninguém, estava cansado, é verdade, mas nada que o impedisse de ir. Mas não foi. Estava pensativo, algo o incomodava. Foi pra casa, foi ver um pouco de televisão antes de criar coragem de preparar algo para o jantar, ligou-a em um canal qualquer e deitou no sofá, muito confortável, se sentiu como no paraíso. “Talvez a morte seja assim, em um sofá, mas um sofá desse tipo”, falar sozinho era um hábito antigo, e talvez seja comum a todos. O canal estava passando apenas propagandas, não o chamou a atenção. A televisão serviu apenas como plano de fundo para seus pensamentos, de certa forma era uma maneira de se sentir menos sozinho, era como que se as vozes que saiam estivessem mesmo dentro da sala, falando com ele, um refúgio para a solidão. Os pensamentos começaram a fervilhar na cabeça; pensava em como a vida estava monótona ultimamente, o trabalho não agradava mais, mulher nenhuma interessava, o cansaço era cada vez maior e tomava conta da sua vida. Por algum motivo se sentia incompleto, faltava-lhe, estava só mesmo no meio de uma multidão. Em meio a tantos pensamentos que se confundiam como num trânsito frenético de pessoas em horário de pico ele caiu no sono. As condições eram perfeitas para um cochilo.

Acordou determinado a encontrar aquela mulher de novo. Era loira, alta, quase maior que ele, uma expressão forte, maquiagem carregada, batom vermelho, sempre fumando. Eram essas as lembranças que tinha dela. Era cedo demais para achá-la naquela boate, tinha que procurar em outro lugar, mas como encontrá-la em uma cidade tão grande? Não importava como, saiu de carro a procura dela na rua; parecia loucura, talvez fosse mesmo, mas preferia isso ao tédio. Logo se viu em caminhos estranhos, escuros, lugares que lembravam aqueles becos de filmes americanos, não tinha idéia de como foi parar ali, mas resolveu continuar. Não demorou pra ver algumas mulheres na rua, com roupas nada tradicionais, se assim podemos dizer. Eram com toda certeza prostitutas, mas belas prostitutas, algumas lhe chamaram a atenção como poucas mulheres conseguiram em toda a sua vida. De repente uma surpresa, de longe ele viu uma loira alta, com uma bota com um salto muito alto; ao chegar perto viu que a maquiagem era carregada, o batom era vermelho, a expressão era forte, mas não fumava, “talvez porque estivesse no trabalho”, pensou ele. Mas na verdade não sabia se era a mesma mulher, não tinha uma lembrança tão boa assim dela, o lugar era escuro e ele devia estar bêbado. Mesmo assim resolveu parar e chamar a moça. Ela foi muito simpática, tão simpática que ele não conseguiu perceber se ela já o conhecia ou não, e ele não teve coragem de perguntar. Depois de acertado alguns detalhes ela entrou no carro e foram para um motel qualquer. Mas no caminho ele mudou de idéia, estava ansioso, era uma sensação estranha; parou o carro num lugar e perguntou:

- Algum problema se for aqui no carro mesmo?

- Nenhum! – respondeu a mulher surpreendida com a decisão dele – Mas tenho que saber... assim... a sua preferência...

- Minha preferência? – perguntou ele sem entender.

- Você sabe que eu sou travesti né? – a mulher esclareceu, surpreendida por ele não saber, afinal todas as prostitutas daquele lugar eram.

Ele ficou calado por um tempo, não sabia o que falar, não sabia como reagir. Olhou nos olhos dela e tentou perceber se era a mesma mulher loira daquele outro dia. “Será que era ela um travesti?”, pensou um pouco assustado. Resolveu arriscar, não sabia o que poderia acontecer, queria ter a certeza de que era a mulher de antes. Talvez se tivesse mais contato ele saberia. Ignorou o fato da mulher ter nascido homem e resolveu usufruir do serviço pago. Conforme tudo foi acontecendo, que não cabe aqui dizer os detalhes, ele teve certeza, era a mesma loira, ele sentia que era ela mesma, talvez já tivessem feito isso antes e ele estava bêbado demais para lembrar, mas ele sentiu que era ela!

Acordou de repente, como que se tivesse levado um susto. A televisão estava desligada, olhou no relógio e já passava da meia noite, nem lembrava de como tinha dormido, só lembrava que a televisão estava ligada enquanto sua cabeça borbulhava com pensamentos cotidianos, alias, sequer lembrava de tê-la desligado. Mesmo com uma cochilada tão longa, ele continuava cansado, e ainda mais, estava até com algumas dores no corpo, “devo ter dormido de mal jeito”, pensou. Já era tarde, continuava cansado, era melhor dormir mais, quem sabe finalmente ele conseguisse descansar um pouco. Foi para a cama e ao tirar as coisas dos bolsos viu um cartão com poucas informações, apenas estava escrito o nome Laís e tinha um número de telefone. Não tinha a menor idéia de como esse cartão foi parar ali. Ele colocou-o em cima do criado mudo e foi dormir, talvez no dia seguinte ele ligasse para saber do que se tratava, agora só queria saber de descanso.

Marcus Mazieri

1 comment:

  1. olha lá, conheço esse conto, de algum lugar...

    JAJAJA (:

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